domingo, outubro 25, 2009

Um debate que se desejaria sóbrio, a bem de todos

Está a chegar a hora em que o casamento entre pessoas do mesmo sexo será legalizado em Portugal. Já pouco falta, é uma inevitabilidade. O grande debate, a grande discussão sobre o assunto, já foi ganha. Todos sabem que qualquer outra solução visaria apenas manter alguma discriminação, ao menos simbólica, qualquer outra solução seria uma solução contra a igualdade. O debate já foi ganho.

Portugal nem sequer poderá arrogar-se grande pioneirismo, o casamento é uma realidade com quase 10 anos na Holanda e quase 5 na vizinha Espanha, além de estar presente também na Bélgica, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia e em alguns estados dos Estados Unidos. Para breve também está anunciada a sua legalização no Luxemburgo, Islândia e Nepal. Sim, Nepal. O casamento entre pessoas do mesmo sexo já nem sequer é uma realidade exclusiva do direito civil, com o recente reconhecimento por parte da Igreja da Suécia.

Agora falta apenas que o Partido Socialista, o PCP, o PEV e o Bloco de Esquerda, cumpram no parlamento as suas promessas eleitorais. Para isso foram mandatados pelos eleitores no passado dia 27 de Setembro.

Face a tudo isto, recomendar-se-ia aos opositores do casamento entre pessoas do mesmo sexo alguma contenção e prudência. Naturalmente não lhes peço que se calem, mas que tenham noção da realidade e mantenham uma postura sóbria.

Achará realmente a igreja católica portuguesa que terá algo a ganhar em ir para a rua gritar, como fez a homóloga espanhola? Acentuando clivagens, afastando muitos crentes, e para no fim obter o mesmo resultado no parlamento? À igreja é especialmente fácil sair desta discussão sem mancha de escândalo e sem recuar um milímetro na sua posição. Afinal a igreja nunca reconheceu como válido o casamento civil, e apenas isso teria que lembrar ao dizer que se opõe, mas desvaloriza a alteração que este sofrerá.

Com esta postura ganharia a igreja, que se pouparia a escusados danos de imagem, e ganharia o país, capaz de decidir um assunto sem histeria, sem dramatismo escusado, sem discursos do fim do mundo.

No entanto sinais surgem de que há muita gente interessada em fazer-se notar por isso mesmo, dramatismo histérico, homofobia militante e pesadelos do fim do mundo:
«"As pessoas que votaram sabiam a posição dos partidos. Agora quero é saber o que pensam os juristas sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo", desafia D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas.»
Januário Ferreira reconhece então a clareza dos resultados eleitorais, mas mantém a esperança de que por vias travessas possa travar a medida. Difícil imaginar como, num dos poucos países que proíbe a discriminação com base na orientação sexual na sua própria constituição.
«O grupo dos militantes socialistas católicos quer promover um referendo sobre o casamento homossexual se a proposta do PS passar na Assembleia da República e propõe-se participar na recolha de 75 mil assinaturas para o conseguir. (...)

Nesta matéria, consideram que o PS está «ideologicamente baralhado» e a seguir o BE e lamentam que «defina como prioritário o casamento homossexual» quando se vive «numa altura de crise social» em vez de se concentrar «no combate à pobreza e ao desemprego».
E a insanidade desperta. Nunca ninguém ouviu falar nesta "tendência" do PS durante a campanha eleitoral, caladinhos que estavam nas suas discretas posições nas listas. Podiam ter-se insurgido contra a promessa de Sócrates (de Janeiro), contra o programa eleitoral do PS que foi às urnas, mas não, só agora se ouve falar de Cláudio Anaia e seus comparsas. Que acham que há prioridades mais altas, assuntos mais prementes onde concentrar energias, mas simultaneamente estão dispostos a ir para as ruas recolher assinaturas, para depois gastar milhões e tempo num referendo - uma ferramenta tão mal amada pelo eleitorado português, onde nunca se obteve sequer 50% de participação. Tudo isso para travar algo que pode ser resolvido numa tarde no parlamento, para contentamento de muitos e sem dano para ninguém. (Quanto à conversa das prioridades ler também este texto de Fernanda Câncio.)
«Cerca de 40 representantes de movimento e associações de todo o país estiveram ontem reunidos em Lisboa com o casamento de homossexuais em agenda.»
O ódio é mesmo capaz de mover multidões. Pessoas que não querem casar com alguém do mesmo sexo movem-se de todo o país até Lisboa, para se encontrarem com outros de mesmo opinião, e juntos tentarem impedir aqueles que efetivamente querem casar com alguém do mesmo sexo, de o fazerem. Pobre e triste viver este.

Sim os tempos são de crise, por isso mesmo é importante que agora, mais que nunca, as pessoas se unam em torno de objetivos positivos e construtivos. O casamento entre pessoas do mesmo sexo se algum impacto económico tem, é certamente positivo, desde o benefício óbvio de todos os agentes económicos ligados à celebração de casamentos, à maior segurança económica de que gozarão os novos casais. Mas há sobretudo um enorme impacto moralizador para uma camada da população que vê finalmente reconhecida a validade e legitimidade das suas relações amorosas. Uma vez legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma série de novas possibilidades de vida se abre para uma parte significativa da população, sem prejuízo de ninguém. E se uma parte de nós passa a ter novos caminhos para a felicidade, todos nós ganhamos com isso.

Os opositores têm mesmo a certeza que querem vincar o seu lugar no lado errado da história? Sejam homofóbicos à vontade, mas mantenham um mínimo de estilo e elegância, só têm a ganhar com isso.