Não sei porque o texto não está assinado, mas seja quem for,
escreve para o JN. O jornal achou por bem publicar um artigo ontem, domingo (
dia do sr.), intitulado "Quem quer matar Deus?", aspas minhas, que no artigo Deus é factual e seus assassinos também. A meio da prosa encontramos outra bela pergunta: "É possível não acreditar no divino?". Tanta imbecilidade junta fica difícil de digerir e comentar que não com insultos. Mas farei um esforço.
O texto começa por anunciar em tom de alarme que o ateísmo floresce, livros ateus enchem as listas de best-sellers e até os autocarros londrinos transportam mensagens ateístas, e associa isto ao "declínio da religião no Ocidente". Mas acaba por concluir que:
«Em Portugal, embora falte estatística, a proliferação de anúncios de videntes e quejandos é suficiente para perceber que o negócio prospera, autorizando a tese de que vivemos num Mundo onde o irracional é a norma e grande parte da Humanidade crê em Deus, ainda que cada qual o defina a seu modo."»
Do mundinho onde vive o autor da prosa não deverá restar qualquer dúvida sobre a total ausência de razão. Mas convirá lembrar ao dito cujo que bruxas, mezinhas e rezinhas são mais velhas que a Sé de Braga, pelo que sem estatística mais vale não atirar a moeda ao ar, por maior que seja a fé no método.
Enfim, um curioso mundinho onde para um ateu ser radical, virulento ou assassino basta-lhe falar publicamente da sua não crença ou querer desligar-se da religião a que pertencia, enquanto que um religioso só amarrando um cinto de explosivos ao corpo merece tais honrarias. Ateus tão radicais, virulentos e assassinos e afinal tão frouxos, queixa-se no último parágrafo:
«Aliás, neste contexto torna-se pertinente a pergunta sugerida por Anselmo Borges: “Porque é que a campanha publicitária dos autocarros londrinos declara que Deus ‘provavelmente’ não existe? Porque não dizer logo que ‘Deus não existe’, se há essa certeza?”. Segundo a BHA, porque o “provavelmente” evita ferir susceptibilidades e violar as leis britânicas da publicidade. Mas a melhor explicação talvez radique, afinal, na advertência formulada na Grécia pelo matemático Euclides, 300 anos antes de Cristo: “O que é afirmado sem provas pode ser refutado sem provas”. »
Anselmo Borges, note-se, foi o
expert chamado a explicar este estranho fenómeno de gente que se recusa a acreditar em estórias da carochinha e insiste em usar o cérebro que tem na cabeça. Apesar da BHA explicar a razão da escolha do slogan, o autor da prosa não se dá por satisfeito, e decide que a explicação é afinal outra. Esquece que na Inglaterra persistem medievas leis anti-blasfémia, mas não falha de todo o alvo.
Isto porque para muitos ateus, como eu próprio, a escolha do slogan é efectivamente a mais racional, lei britância à parte. Desde logo levantar uma probabilidade de não existência soa mais "simpático" ao crente, lança a dúvida em vez de partir de imediato para a confrontação. Por outro lado o cepticismo baseia-se na ausência de provas ou meros indícios da existência de deus, é uma não crença, e não uma crença na não-crença como poderia sugerir a formulação proposta. O autor erra portanto quando sugere que competiria aos ateus provar a inexistência de deus, não compete. Os ateus limitam-se a constatar a sua inexistência. Competiria, isso sim, a quem apregoa a sua existência, comprova-la, mas não o fazem, pelo que poderiam - seguindo a lógica de Euclides - ser refutados com igual sustentação. Mas se o ateísmo se distingue da superstição precisamente pelo rigor, honestidade, racionalidade e uso do método científico, fica-lhe muito melhor portanto anunciar ao mundo que
Deus provavelmente não existe, pelo que o melhor a fazer é deixar de se preocupar com isso e gozar a sua vida ;)