sábado, dezembro 11, 2010

Caça ao imigrante no Martim Moniz

Não, desta não foram os meninos das cabeças rapadas. Desta vez foi uma coligação de forças de autoridade, PSP, ASAE, Inspeção Tributária e SEF. Sem motivo aparente, nenhuma queixa, nenhuma desordem, estas 4 instituições acharam por bem tomar de assalto um centro comercial em Lisboa, interpelar todos os clientes e lojistas, e deter, horas se necessário for, quem não tivesse consigo os documentos. Tudo isto é descrito nos média como se de uma situação normal se tratasse. A grandeza da operação foi ao ponto de encerrar a estação de metro da zona. Transportes cortados, circulação restrita.. cadê os direitos dos cidadãos, liberdade de circulação? Nada, são imigrantes, não interessa nada.

A subcomissária Carla Duarte, da PSP, não tem nenhum hesitação na voz ao descrever como principal objetivo da operação a caça ao imigrante ilegal. O jornalista da SIC termina a reportagem dizendo que esta não foi a primeira vez, nem será a última, de uma operação do género no Martim Moniz. Tudo normal portanto.

Curiosamente tudo isto acontece no 20.º aniversário da SOS Racismo, e na véspera do Expresso titular que «Metade das vagas de emprego fica por preencher - Metalurgia, agricultura, vestuário e calçado sem candidatos». É neste ambiente económico, em que milhares de portugueses voltam à emigração, e escasseia mão de obra para o trabalho menos qualificado, que PSP, ASAE, IT e SEF, decidem dar prioridade à caça ao imigrante ilegal. Parece ser esse o grande problema criminal no país.

Pormenor anedótico-trágico da estória, pelos vistos apenas um imigrante ilegal foi encontrado. Está visto então, além de racistas, as nossas queridas autoridades são incrivelmente despesistas (metro fechado, trânsito cortado, comércio encerrado) e incompetentes. Um ilegal? Produtividade zero. Nojo.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Recarvalhar Portugal

Recordo-me de ver notícias sobre grandes incêndios em Vila de Rei e Abrantes. Depois de uma passagem por essas terras este Verão que vi eu, nos montes nada, só mato e alguns jovens eucaliptos. Assim não há plano de combate ao fogo que resista. O projeto Plantar Portugal parece engraçado, mas só para evitar equívocos sugeriria a mudança de nome para Recarvalhar Portugal, já que é exatamente isso, e só isso, que a floresta portuguesa precisa. E é tempo de nos envolvermos todos. Recolher sementes de carvalhos saudáveis, espalha-las pelos montes, semea-las em vasos em casa para transplantar depois. Não faltam guias pela net sobre como fazer isso, haja vontade e mais envolvimento dos meios de comunicação social. Passar o Agosto a discutir incêndios é que não serve de nada, há décadas que se percebeu isso...

Leituras do ano

Estamos em alturas de recomendações de leituras, e ainda há dias vi numa revista portuguesa uma lista de 50 títulos, estranhamente estes dois não estavam lá.

The Spirit Level é o manifesto para acordar a esquerda do séc. XXI (não há esperança para a direita), leitura obrigatória para eleitores e eleitos. Portugal, além do Reino Unido e Estados Unidos, está sempre nos maus exemplos no mundo industrializado, pelo que a tradução e edição da Presença é mais do que oportuna.

Já o Whoops! foi recomendação lida no Jugular, essencial para se perceber a crise e não se perder o sentimento de indignação sobre a mesma e o assalto que desde então os bancos têm feito aos nossos bolsos. Que saiba ainda não está traduzido em Portugal. Urge fazê-lo.

The Story of Stuff

Já não sei quem me indicou este excelente projeto The Story of Stuff, mas desde há uns dias que sou um fervoroso fã. Vídeos curtos, giros e bem explicados sobre a história das coisas que consumimos, dos cosméticos às garrafas de água, e o porquê do comércio de emissões de CO2 ser uma péssima ideia. Annie Leonard rocks. Também no Facebook, Twitter e YouTube.

Portajar as SCUTs

Olhando para o mapa de autoestradas portuguesas fica impossível encontrar alguma lógica na divisão pagas e não-pagas. Em tempos de crise acabar com a gratuitidade das últimas parece fazer todo o sentido. Já a novela high-tech dos chips é que não tem sentido algum. E no entretanto os dispendiosos leitores de chips já estão por aí instalados, alguns bolsos mais cheios e as contas do estado em nada beneficiadas. Isto cheira que tresanda. Ora tendo as SCUTs sido criadas como autoestradas gratuitas, com demasiado saídas para se poderem portajar à moda antiga, parece-me que a solução ideal seriam as vignettes, tanto usadas na Europa Central. Saíriam mais baratas aos utilizadores frequentes, sendo por isso muito menos contestadas, seriam facilmente entendidas e usadas pelos condutores estrangeiros, e nem sequer é líquido que o estado encaixaria menos dinheiro, é que um sistema destes já estaria facilmente em funcionamento e dispensava caros leitores de chips. Mas para quê simplificar se se pode criar toda uma nova novela?

sábado, fevereiro 13, 2010

Uma proposta de esquerda que morreu na praia

«Socialistas vão apresentar projecto de 'big brother' fiscal, que coloca 'online' rendimentos brutos de todos os contribuintes

Todos os rendimentos declarados, de todos os cidadãos do País, vão ficar à vista de todos os que quiserem ver, na Internet. (...) Sem o imposto final pago, sem as despesas reembolsáveis (despesas de saúde, educação, etc.), mas com o rendimento bruto anual declarado. E, evidentemente, a identificação do contribuinte. Por outras palavras: acaba-se o sigilo fiscal. É o passo seguinte, depois de o Governo ter disponibilizado online a lista dos maiores devedores ao fisco.»
DN 03-Fev-10
Esta ideia do PS já é praticada em pelo menos três países escandinavos, a Noruega, Finlândia e Suécia. Em todos eles a medida causou e continua a alimentar várias polémicas. Mas continua a ser aceite como uma "coscuvilhice necessária". Também há quem lhe chame "tax porn". Mas o que é certo é que esta transparência radical tem contribuído para a preservação de alguns dos menores índices de evasão fiscal e desigualdade salarial do mundo. Em Portugal no entanto a discussão nem se chegou a fazer:
Resumindo, Francisco Assis recusa rápida e agressivamente a proposta, sem se dar ao trabalho de apresentar um único argumento que justifique a recusa de uma medida apoiada por 3 vices.
«“Striptease fiscal”, “voyeurismo na Internet” e "coscuvilhice fiscal" são os termos usados por CDS-PP, PCP e BE na crítica à proposta de um grupo de deputados socialistas, que contempla o "levantamento parcial do sigilo fiscal" para permitir o acesso público ao rendimento bruto dos contribuintes. (...)

Francisco Louça, do BE, considerou que a proposta do PS para o levantamento parcial do sigilo fiscal é "uma ideia peregrina" e uma "coscuvilhice fiscal", defendendo que o fim do segredo bancário é a única forma de combater a corrupção.» JN 3-Fev-10
E depois disto, mais nada. O debate não chegou a acontecer, com a própria esquerda a rejeita-lo ao abrigo de uma suposta sacrossanta privacidade no que aos rendimentos diz respeito.

Claro que essa sacrossanta privacidade não vale para todos. Não deixa de ser curioso ver alguns dos que imediatamente sacudiram esta proposta, discutirem alegremente o salário de um tal Rui Pedro Soares - desconhecendo-se o porquê de se poder discutir este e não o de todos. E desconhecendo-se até o valor exato do avultado salário, que começou por ser noticiado como de 2,5 Milhões/ano, havendo agora quem noticie "apenas" 1,2 Milhões. Mas afinal qual é a regra? Quando é que se pode saber e divulgar e discutir salários? Quando os jornais assim o entendem? Quem é que votou e elegeu os jornais para essa função? Não era mais simples e justa uma lei igualitária, discutida e votada no parlamento? Ou já foi definitivamente istaurada a tablóidocracia?

domingo, janeiro 31, 2010

O que nos dá a burca?

Em França, onde ao contrário de Portugal o problema das burcas é uma realidade, pretende-se agora legislar no sentido de as banir do país - mesquitas e casas particulares excluídas, naturalmente. Parece ser quase unânime na blogosfera lusa considerar que as burcas são um problema, são desde logo uma manifestação extrema de fanatismo religioso - rejeitada por uma vasta maioria de crentes muçulmanos por todo o mundo, as suas origens estão de resto limitadas ao Afeganistão e partes do Paquistão.

E criam problemas óbvios de segurança ao permitir que alguém, ao abrigo da liberdade religiosa - muito embora alguns teólogos islâmicos argumentem que nada há de religioso na burca, dado que nem sequer é referida no Alcorão - possa entrar em bancos, escolas, transportes públicos etc. com o rosto e corpo completamente ocultos, podendo-se apenas ficar com uma ideia da altura da pessoa que a usa.

Olhando para o parágrafo anterior creio que fica claro que esta discussão sobre se é legítimo ou não banir a burca não existiria se em vez de mulheres muçulmanas fossem, por exemplo, homens evangélicos a usa-la. A discussão está minada por uma série de preconceitos e complexos sobre o islão e imigração, e paralelismos infelizes com outras minorias e direitos de minorias.

Como se usar uma burca fosse algo inato na pessoa que a usa, como se despir essa pessoa da burca fosse despi-la da sua crença, como se exigir algo tão simples e óbvio - que se exige a toda a gente na generalidade das sociedades mundiais - ter o rosto destapado quando nos dirigimos a alguém, pudesse subitamente transformar-se numa terrível violação da liberdade individual. Como se a liberdade individual fosse um valor absoluto. Como se uso de objetos nunca tivesse sido legislado antes.

Porque é disso que falamos, do uso particular de um objeto em particular. Fazer disto paralelismos com casamento entre pessoas do mesmo sexo, como já li, é no mínimo insultuoso para gays e lésbicas. Tratar isto como simétrico da obrigatoriedade (aplicada à lei da bala) de usar burca durante o regime talibã no Afeganistão é insultuoso para quem profere semelhante disparate.

Se queremos fazer paralelismos entre esta possibilidade legislativa e outras, podemos facilmente encontra-los na proibição do nudismo, muitas vezes punido com pena de prisão em várias democracias do mundo, apesar de neste caso não existir qualquer problema de identificação da pessoa. Podemos falar da proibição nas cidades francesas das pessoas andarem em tronco nu na rua. Podemos falar da proibição alemã do uso de fardas e outros símbolos nazis. E saindo do plano do vestuário, podemos falar por exemplo da obrigatoriedade de votar em países como o Luxemburgo, ou da obrigatoriedade de estudarmos até ao 12.º ano de escolaridade em Portugal.

Tudo exemplos de limitações da liberdade individual, que se entenderam como justificáveis por implicarem a criação de algum bem comum, evitar alguns males ou simplesmente não mexer com alguns hábitos e tradições (fraco argumento, mas suficiente para coisas inócuas).

Voltemos então às burcas. São elas uma tradição em França? De todo, são importação muito recente. São elas um mal? Como referi no início do texto parece isso ser uma conclusão unânime na blogosfera lusa, pelo que escuso de aprofundar esse aspeto. Criam elas algum bem para a sociedade? É a sociedade mais aberta e tolerante por permitir burcas? Haverá mais diálogo intercultural? Facilitará a integração de alguém? Reforça a cidadania?

Depois de muito ler sobre o assunto, ainda não encontrei uma única resposta positiva a estas perguntas.

PS: O texto está sem links não só por preguiça, mas sobretudo por não ser uma resposta a ninguém em particular, antes a pensar em vários argumentos lidos aqui e ali, no entanto onde mais tenho acompanhado e participado na discussão é no Jugular, onde encontrarão vários posts sobre o assunto, e claro, no Twitter.

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Visibilidade pouco oportuna

Longe vai o tempo em que se justificava darmos urros de alegria por vermos gays bonitinhos na TV. Felizmente que hoje em dia a visibilidade é crescente, e quando menos se espera apanhamos um personagem gay numa novela enquanto fazemos zapping à espera do noticiário. Tempo, portanto, para sermos mais exigentes com o que vemos.

Isto a propósito da nova campanha da Coordenação Nacional para a infecção VHI/sida, que só agora se lembrou que não era proibido pôr gays nos seus anúncios. Poderia ter escolhido pior timming? É claro que a prevenção do HIV é trabalho de todos os dias, mas quando no país se debate em prime-time o casamento entre pessoas do mesmo sexo isto vem criar uma distração escusada, senão vejamos:



Este spot chama-se "Relações Ocasionais", um tipo engraçado que as mulheres desejam, mas que no final a pretexto de um cafézinho acaba a acordar num carro junto ao mar com outro tipo engraçado ao seu lado. Ok, há tipos para quem a vida, ou ao menos o engate, é fácil (arranjar casa é que é mais difícil). E usam preservativo. Bons tipos, nada a opôr. Next:



Este chama-se "Relações Estáveis", curioso título para uma campanha de promoção do uso do preservativo. Ora então temos um casalinho gay, super sweet, acordam, vão trabalhar, um para o escritório o outro para a lavandaria, e eis que no supermercado faz a compra mágica, preservativos! Exultemos! Ou não. Quando foi a última vez em que se viu um anúncio da CNIVIH a recomendar o uso de preservativo para casais hetero estáveis!? Uma das vantagens das relações estáveis é que dispensam o uso de preservativo. Em havendo monogamia, amor e confiança o preservativo é dispensável, é um prémio pela fidelidade.

Eu não quero ser mauzinho ou negativo, mas a mensagem que vejo nestes anúncios é "nunca confies totalmente no teu parceiro gay, porque como bem sabes - ver anúncio do cafézinho - no fundo são todos uns valdevinos". Ora esto tipo de mensagem no meio da discussão casamenteira é tudo o que não precisamos. Mais uma vez a CNIVIH a atirar ao lado, buuuuuu.

PS: Já agora, quem teve a brilhante ideia de mudar o nome da Comissão Nacional de Luta contra a sida para Coordenação Nacional para a infecção VIH/sida!? Para a infecção!?

Conservadores que não querem trabalhar e outras sacanices

Enquanto se espera a decisão de Cavaco, lá se tem que aturar diariamente todo o tipo de palermice anticasamenteira que se pode imaginar. Por exemplo, para o "i" a grande pressão que Cavaco sofre por estes dias é um grupo do facebook.

Já no DN somos informados que existirão conservadores - das conservatórias - que também querem armar o pingarelho em políticos antigay, e pedir "objeção de consciência" para se recusarem a casar gays, ui córror. Este palavreado parecerá bonitinho aos ouvidos de muito troglodita, mas não cola. Isto é absolutamente um não assunto. O casamento civil é só um ato administrativo, ponto. O conservador não tem que concordar ou deixar de concordar, era o que mais faltava. Se isso fosse tido em conta onde é que iríamos parar? Conservadores a recusarem-se passar a escritura da casa a casais gays? E se o conservador for contra casamentos inter-raciais, também pode recusar? Era o que mais faltava! O conservador é um funcionário da administração e segue as regras, e suas alterações ao longo do tempo, dessa administração. Sempre foi assim, não há porquê mudar. E de certeza que a maioria dos conservadores concorda com isto, não por acaso a notícia do DN não cita um único nome...

Aliás, jornalismo muito pobre é a regra dos dias. Cada vez que fala Isilda Pegado acrescenta um referendo à já sua longa lista de referendos imaginários contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dir-se-ia que Portugal é o único país da OCDE que ainda não fez um. Acontece que isto não é matéria de advinhações, é muito fácil comprovar. Os referendos de que Isilda fala são em grande parte mentira, nem sempre com o resultado que diz, e sempre no mesmo país, um único país. E não há um jornalista, um entrevistador, que lhe atire a mentira à cara.

Mais, vemos jornalistas que já foram premiados pela ILGA por bom trabalho, a citarem a outra mentira favorita de Isilda Pegado, "que Obama prometeu legalizar o casamento gay nos EUA", sem ai, nem ui. Meus, factos não são opiniões. Factos falsos denunciam-se e corrigem-se.

Haja pachorrinha, que a procissão ainda vai no adro, e de conservadores a jornalistas, a preguiça impera.