quarta-feira, março 19, 2008

Europa, Democracia e Esperanto

Desde que instalei cá no renas o sistema das estrelinhas que o post «Sapiência lost in translation» é o "mais popular", desconfio que o lóbi esperantista o guglou e decidiu promover. Não me importo nada, pelo contrário, sempre simpatizei com esse lóbi. Foi por isso também com agrado que descobri que já existe até um partido esperantista pan-europeu, o EDE - Eŭropo - Demokratio - Esperanto, que concorreu nas eleições europeias de 2004 em alguns círculos franceses e ficou a poucas assinaturas de poder concorrer na Alemanha. Decorre neste momento o esforço para concorrer noutros países em 2009.

Com o contínuo esvaziamento de poder do Parlamento Europeu não me faria confusão votar num partido de objectivo único, até porque é um objectivo que me parece muito importante para o relançamento do projecto europeu. Não vou alongar-me muito no assunto, remeto antes para mais um texto do sr. Claude Piron (e já agora os tempos de antena do EDE).

De resto eu nem sequer sei falar esperanto, já planeei aprendê-lo várias vezes (típica resolução de ano novo), mas faltou-me sempre o vagar para isso, e sobretudo a motivação mais forte para se aprender qualquer idioma, a utilidade. Uma utilidade que poderia vir facilmente por decreto do Parlamento Europeu, por muito mal vista que esteja a eficácia dessa via. Assim à primeira vista o único senão que vejo no esperanto é a acentuação, mas isso não é nada que uma reforma ortográfica não resolva (está visto, gosto mesmo destas coisas de decretos reformadores) e aliás, o próprio criador do idioma o chegou a propor, segundo a Wikipédia. Reforme-se e oficialize-se então, se concorrem por cá levam o meu voto.

8 comentários:

Musicologo disse...

O mundo está longe de ser só a Europa. É os EUA+Canadá, a América Latina, a África, a Ásia e porque não, a antárctida.

Nestes locais todos, além de uma enormidade de culturas díspares o inglês implantou-se devagarinho. Seja por questões de antigas soberanias (índia, austrália, etc), seja por questões comerciais (china, Japão, etc).

É absolutamente redundante querer impôr uma língua artificial às pessoas quando estas já falam naturalmente e com relativa fluência, por força das circunstâncias, uma língua comum.

Os monopólios mercantilistas, a informática, os livros técnicos, as ciências, já têm tudo e mais alguma coisa "preparada" para o Inglês.

Por isso, reconheça-se de uma vez por todas a inevitabilidade: a língua internacional É o inglês. E não fui eu nem meia dúzia de Europeus que o escolheu. Foi o mundo todo por força das circunstâncias que assim ocorreram ao longo de um século e tal. Não são agora meia dúzia de Europeus semi-frustrados com qualquer coisa, em nome de sabe-se lá de quê, que vão querer implantar uma língua artificial. O mundo sozinho escolheu o seu idioma, para quê estar a levantar mais ondas agora e querer destruir tudo o que já está feito?... Só para complicar?...

bossito disse...

A questão Musicólogo é que.. resumindo, isso não é verdade. Há minoria de pessoas no mundo que sabe falar inglês, ainda mais minoritária se só contarmos os que são capazes de ler e entender uma simples notícia de jornal, p.ex. A nível europeu há mais gente a falar alemão do que inglês. E complicado, complicado é falar inglês.. repara bem nos portugueses que completaram o liceu, com 6 ou 7 anos de inglês, e diz-me se o falam satisfatoriamente?

O esperanto, ou outro idioma artificial qualquer, serve precisamente para isso, para descomplicar. Porque os "idiomas naturais" são naturalmente complicados. O chinês, p.ex., só não é a língua franca com mais potencial, precisamente por ser tão complicado. O inglês é certamente menos complicado que o chinês, e mesmo que o alemão, mas continua a ser complicado.

O mundo não escolheu nada, simplesmente o inglês é a língua da maior potência dos nossos tempos, e também era da anterior, logo o inglês é o idioma do conhecimento e da tecnologia, como antes foram outros, que se foram substituindo à medida que se substituíram as potências globais e regionais. E não, a história não parou.

Não há porquê a UE continuar a pagar o altíssimo preço do inglês. Altíssimo preço porque:

- anos de estudo mal chegam para que o aluno médio desenvolva uma conversa corriqueira. Coisa que se consegue em meses com o esperanto.

- cria um factor de discriminação entre falantes nativos e não nativos, para vantagem dos primeiros. Uma boa parte da informação publicada pela UE é-o apenas em inglês, e quanto muito também em francês e alemão.

- a dificuldade da aprendizagem do inglês também varia significativamente entre germânicos, latinos e eslavos - sendo especialmente difícil para os últimos. Quando o esperanto foi construído para ser neutro em relação aos 3 grupos.

Resumindo, não há aqui nenhum sentimento anti-anglófono, o que também não existe é um sentimento de subserviência, e antes uma abordagem racional e pragmática à questão linguística. Eu tenho dúvidas de que o esperanto seja um bom idioma para o mundo, é muito eurocêntrico, mas não duvido que seja o ideal para a Europa. Nunca para substituir os idiomas nacionais e regionais, mas sim como língua franca, igualmente estranha para todos, e muito mais facilmente entranhável. É que o esperanto foi construído precisamente para isso, enquanto o inglês só lá está por acaso...

Musicologo disse...

Os argumentos ficaram muito melhor esplanados agora, mas continuam errados alguns.

A questão continua a ser: e o mundo? Eu quero "aprender" uma língua que me sirva para comunicar com o mundo todo e não apenas com a Europa. E como tu próprio reconheceste o Esperanto é "apenas neutro" na europa. É virtualmente impossível encontrar uma língua que seja "equalitariamente neutra" a todas as culturas. O iglês pode ser mais difícil para os eslavos. E uma língua tonal também seria muito difícil para um ocidental. Uma língua da direita para a esquerda idem... nunca se vai conseguir agradar a todos.

Quanto à «facilidade de entranhamento» a minha convicção é que é um mito. Eu assimilei inglês num ano e nas férias de verão do 5º ano já fazia de guia turistico na minha terra. Em compensação tive francês do 7-9º e não pesco nada. A culpa não é minha que a aprendizagem e o potencial estava lá. Digamos que fui mal ensinado. Se um aluno que chega ao 12º não domina o inglês é porque não o estudou ou porque teve professores incompetentes. E não acredito que isso melhorasse com o esperanto. Estamos a confundir problemas: o problema do sucesso de aprendizagem de uma língua e não do inglês especificamente. Aliás, muitos alunos, nem sequer Português sabem escrever e falar correctamente e é a língua nativa! Esse analfabetismo funcional existe e é real, mas isso é um problema da nossa sociedade e do nosso sistema de ensino, não pode ser esgrimido como um argumento contra o ensino do inglês especificamente.

E eu tenho evidências claras. Todos os contactos que estabeleço com estrangeiros não PALOP são em inglês e todos nos desenrascamos. Não acredito sinceramente que com o esperanto fosse diferente. Resumindo: é apenas mais uma língua para juntar à malta.

Mas num ponto tens razão: se até ao renascimento era latim por todo o lado consoante os impérios, agora é o inglês. Não sei se e quando isto vai mudar. Se de repente a maior potência mundial for um país do oriente talvez o mundo aprenda todo uma língua oriental, sabe-se lá...

bossito disse...

Musicólogo não vou estar aqui a fazer finca pé até porque como digo, eu nem sequer nunca tentei estudar esperanto. Mas vários estudos, nomeadamente estatísticos, demonstram a muito maior facilidade em aprender esperanto do que inglês. Estudos até garantem que o esperanto é a língua ideal para aprender como primeira língua estrangeira, pois dada a sua flexibilidade, permite entender muito mais facilmente o funcionamento de outras que aprendas depois. Acho que isto nos merece algum crédito, e de novo, faz sentido que assim seja, já que é um idioma criado para isto mesmo, para funcionar facilmente, sem excepções, de forma quase matemática.

A neutralidade total nunca existirá, claro. Mas a parcialidade total é o que temos hoje. É por esta anglicização crescente que a UE vive à sombra dos EUA, incapaz de se emancipar (o que não implica, obviamente, que nos tornemos inimigos).

E esta questão do esperanto não tem só a ver com o inglês, tem a ver também com os milhões e milhões que a UE gasta em traduções anualmente.. o que aliás demonstra que o inglês está ainda longe de ser a tal língua franca omnipresente. E também não viria o esperanto e deixaríamos de aprender as outras, simplesmente não teríamos que o fazer se não quiséssemos.

Mas vê o vídeo do sr. Piron, que argumenta muito melhor que eu, e afinal foi ele que me convenceu, embora eu já simpatizasse com esta lógica há muito tempo.. e um dia ainda me meto a aprender, mesmo que a UE continue a desperdiçar o potencial unificador, igualador, simplificador e poupador do esperanto.

Ah, já esquecia. É claro que se a UE assumisse o esperanto como língua de trabalho preferencial em poucos anos tornar-se-ia uma língua de importância global, dado o peso da UE no mundo. Serviria até para demonstrar esse mesmo peso, de que tantas vezes nos esquecemos.. era o que dizia, seria uma emancipação para a UE. Até lá continuaremos a falar mau inglês, e a ter sites da União apenas nesse idioma ou quanto muito com alemão e francês para fazer de conta que se é multilingue, como o canal oficial no YouTube.

Nuno D. Mendes disse...

Parece-me muito simpática esta ideia de pôr a Europa a falar uma só língua. Mas, sejamos francos, a maior parte dos argumentos apresentados são completamente fantasiosos.

Em primeiro lugar, não existe nenhum termo de comparação credível quanto à facilidade de aprendizagem de um língua ou outra. Não podemos comparar a facilidade com que se aprende inglês nas escolas num contexto em que essa aprendizagem é uma imposição curricular, com a aprendizagem do Esperanto por uma minoria, obviamente hiper-motivada.

Em segundo lugar estou muito céptico quanto ao argumento de que diferenças de pronúncia ou de construção frásica não constituam entraves à comunicação. Pela minha experiência, a larga maioria dos franceses fala inglês gramaticalmente perfeito, mas com uma pronúncia absolutamente inintelegível, o que impede dramaticamente a comunicação.

A única vantagem parece-me ser a de que um grupo de pessoas a falar Esperanto seria um grupo de pessoas igualmente incompetente em termos fonéticos, eliminando efectivamente sentimentos de superioridade/inferioridade. Mas fora o Esperanto efectivamente adoptado como língua franca, não tardaria muito tempo até que emergisse uma pronúncia dita culta e as variações ditas inferiores.

Quanto à questão da regularidade da língua em oposição à gramática irregular e por vezes percebida como caótica das línguas naturais importa dizer que uma língua, a partir do momento que é adoptada por um população falante com uma dimensão suficientemente expressiva sofre, necessariamente, evoluções. Evoluções essas que fazem surgir naturalmente irregularidades e excepções.

A noção de que se pode impôr uma língua artificial como veículo de comunicação multi-modal é uma ideia utópica que ignora o facto de que a linguagem é um instinto humano, indomável por regras e projectos de harmonização e que exige contexto socio-cultural para uma comunicação efectiva.

O Esperanto não é uma língua melhor ou pior do que as outras. Tem mais gramática do que muitas (mais do que o mandarim, que é uma língua excepcionalmente simples a nível gramatical) e tem um vocabulário que não passa de uma mistela de línguas europeias com um sabor a latim macarrónico.

A contraposição com o Latim aqui é instrutiva. Não é possível aprender latim sem aprender algo sobre a cultura e civilização clássicas, porque esse é o substrato que dá signficado às intenções comunicacionais. Do mesmo modo, quando se aprende inglês, francês, alemão, mandarim ou qualquer outra língua natural é indispensável uma apropriação do contexto cultural destas línguas. Que contexto fornece o Esperanto?

Se o inglês é percebido pelo sr Piron como algo estrangeiro, o Esperanto é percebido por mim como algo alienígena.

bossito disse...

Mas precisamente! O esperanto não fornece contexto nenhum, possibilitaria portanto a criação de um novo contexto verdadeiramente pan-europeu... essa seria a grande vantagem, parece-me.

Enquanto a UE continuar a depender do inglês para estabelecer diálogos internos, continuará também a viver à sombra do tal contexto americano... sem conseguir criar algo de genuinamente europeu. As referências culturais que os europeus partilham hoje em dia vêm sobretudo dos EUA. Um produto cultural europeu (excluindo alguns britânicos) dificilmente faz sucesso por todo o continente, se não o fizer antes nos EUA. Nada contra os EUA, tudo a favor da emancipação europeia.

De resto concordo com quase tudo o que dizes, aliás no seio da "comunidade de línguas artificiais" já várias surgiram como "esperantos melhorados", nunca seria algo imutável, está mais que visto. Mas isso não seria um problema, seria parte do tal contexto que se criaria..

Nuno D. Mendes disse...

A questão é que sem contexto socio-cultural a comunicação é necessariamente asséptica.

bossito disse...

Até o deixar de ser, "a partir do momento que é adoptada por um população falante com uma dimensão suficientemente expressiva sofre, necessariamente, evoluções. Evoluções essas que fazem surgir naturalmente irregularidades e excepções." ;)

Seria um bom ponto de partida, um relançamento do projecto europeu, que entretanto perdeu todo e qualquer idealismo..