segunda-feira, novembro 26, 2007

Patrulhamentos de bits e bombardeios de papel

«Essa patrulha ideológica, vigiando cada distracção, cada frase mal pronunciada, cada piada ou anedota, cada opinião, cada divergência, cada afrontamento, cada violação das regras linguísticas do "politicamente correcto", é que me parece contraproducente.»
Pois, a mim também parece contraproducente. Aliás, a minha discordância em relação à reacção das Panteras Rosa (que não foi a reacção de todo o movimento, e muito menos de todos os gays e lésbicas) estava sobretudo no tom, estilo e importância dada ao caso. Porque eu não coloco em causa que a assimetria existe. O que sei é que essa assimetria deve ser denunciada com mil paninhos quentes e só com casos "óbvios", sendo que muitas vezes nem o sangue "basta" para o serem.

É que à mínima crítica mais exacerbada logo chovem colunas de jornal sobre "patrulhamentos ideológicos" e "faltas de liberdade" - é por isso que são contraproducentes. Não por acaso, a crónica do Francisco José Viegas foi, salvo erro, a primeira impressa sobre o tema. É que o malfadado lobby só tem os blogs ao dispôr do "patrulhamento". Um bocadinho pífio e inofensivo, não? É escusado tanto berreiro hetero, mais valia o orgulho!

PS: Afinal o DN de hoje também traz outra coluna sobre o tema, mas demasiado palerma para ser linkada, embora não para ser impressa no jornal. Contraproducente, sem dúvida.

4 comentários:

/me disse...

Curiosamente, o homem que se queixa dos LGBTs que se vitimizam também se apresenta como vítima do politicamente correcto.

/me disse...

E-mail que enviei ao Francisco José Viegas:

Caro Francisco José Viegas,

permita-me discordar da sua crónica no JN sobre a campanha da cerveja Tagus. Há pontos em que concordo consigo. A campanha era estúpida e não tinha intenção de ser homofóbica. Hetero que é hetero não precisa de o afirmar.

No que discordo é quando se apresenta como vítima do discurso do politicamente correcto. Porque não é politicamente correcto deixar de fazer piadas sobre gays, ou até sobre pretos. Elas ouvem-se por aí. Quantas vezes não se ouve "esses paneleiros deviam era ser assassinados/postos fora do país/qualquer coisa má"? E quantas vezes não há a imputação às pessoas homossexuais dos males do mundo? É politicamente correcto fazer piadas, mandar bocas, até fomentar o ódio contra os LGBTs.

Também discordo quando diz que a melhor oposição ao orgulho gay é o orgulho hetero. Revela que não percebeu o que se quer dizer com orgulho gay. Tem de ir para além da aparência imediata da expressão. Orgulho gay não é orgulho na orientação sexual. Ter orgulho em ser-se gay é uma estupidez. O orgulho gay é entendido pelos próprios LGBTs como uma recusa da vergonha que outros lhes tentam impôr. É uma resposta: "não, não vou ter vergonha em ser gay, eu tenho orgulho na minha pessoa". Não é orgulho em ser-se gay, é orgulho em ser-se quem se é, mesmo quando se é gay. Noutras palavras, é ter-se auto-estima, mesmo que outros tentem negar que se tenha essa auto-estima.

Quando se fala de orgulho hetero, é diferente. É orgulho na orientação sexual. E isso é estúpido. Ou pelo menos irrelevante. Mais, porque se fala de orgulho hetero apenas porque também se fala de orgulho gay, é um não entender do que é o orgulho gay. Mais ainda, quando se fala em assumir uma "causa" ou em não ter vergonha de se assumir hetero, então é chacota. Imagine um grupo de pessoas brancas nos EUA dos anos 30 que proclamasse não ter vergonha em afirmarem serem brancos. Que defendiam a causa branca, que tinham orgulho na sua côr (estou a evitar propositadamente a expressão "orgulho branco", apesar da expressão "orgulho hetero" também ser usada por grupos extremistas homofóbicos). Seria ridículo e insultuoso para as pessoas de cor que tinham menos direitos e eram maltratadas ouvir esse tipo de coisas por parte de pessoas "well off". Seria uma chacota. Mas possivelmente haveria muitas pessoas que reagiriam como o senhor reagiu desta vez se as pessoas de cor se queixassem. Que eram umas histéricas, que se vitimizavam.

Possivelmente essa reacção nem seria de má fé. Simplesmente, não havia um reconhecimento pleno de que os direitos das pessoas de cor estivessem a ser infringidos. E agora, há reconhecimento que as pessoas homossexuais são maltratadas, não são cidadãos de pleno direito? Que se fecha os olhos à discriminação, que alguma polícia assobia para o lado quando pessoas homossexuais são agredidas, que por alguma razão os adolescentes não heterossexuais têm enorme probabilidade de ficarem deprimidos e até de se suicidarem. Pode afirmar que a discriminação é mínima, mas quando se tem de viver toda a vida escondendo afectos para não ser discriminado, é violento. Quando a sociedade não reconhece - antes reprova! - o relacionamento que se tem com quem se ama é brutal. Não pode haver violência muito maior do que a colocação de obstáculos à realização de uma vida afectiva plena. Que para ser plena terá de ser socialmente reconhecida, e não apenas vivida entre quatro paredes.

O que é diferente neste caso, caro Francisco José Viegas? A discriminação existe. Quando uma campanha publicitária age como se ela não existisse, está a dizer que está tudo bem assim. Que a discriminação não existe. Ridiculariza aqueles que lutam contra essa discriminação.

A resposta de alguns blogs foi exagerada? Talvez, mas estão em causa direitos fundamentais. Está em causa uma minoria maltratada, que a maioria tende a ignorar. E está em causa o negar da discriminação. É normal que quem se sentiu ofendido queira mostrar que essa discriminação existe. É normal que lembrem o de mais violento e mais brutal existe contra as pessoas homossexuais.

Quanto ao politicamente correcto, às vezes traduz o socialmente aceitável. Seria bom que não fosse socialmente aceitável fazer campanhas que pressupõem que as discriminações não existem. Porque não vivemos num mundo de sonhos, mas num mundo real, onde elas realmente existem.

André disse...

http://www.meiosepublicidade.pt/2007/11/26/tagus-suspende-orgulho-hetero/

Anónimo disse...

no meio de tanta estupidez ´por parte dos responsáveis da campanha publicitária, uma boa noticia. A campanha foi suspensa...

fico com a dúvida se a ideia da Tagus não era mesmo essa: o barulho, o 'buzz' à volta do assunto...

seja como for, concordo com a indignação e com o que o Me disse aqui e noutros espaços da blogosfera: esta campanha tinha subjecente uma discriminação em relação aos homossexuais! inadmissível portanto!

não sei se certos comentários, como o de Francisco josé Viegas, não escondem a surpresa perante a reacção indignada, unida e eficaz da comunidade gay...

agora só resta esperar pela próxima discriminação contra os homossexuais deste país... Ou será que o Francisco José Viegas tem duvidas que ela irá acontecer, mais cedo ou mais tarde?!