Esta notícia diz tudo, ou quase. Baixo orçamento, mercado dominado pelas super-poderosas Sagres e Super Bock, procure-se então um pouco de "buzz", mas nada de polémicas, que isso é coisa mais pesada, pode correr pior. Ora nada melhor que uma indirecta à gayzada para gerar o tal buzz. E o "buzz" já ferve pela internet. A Tagus agradece.
Qual é o problema? À partida nada de grave, é só um
buzz, passa depressa, como o vento. Mas o movimento gay perde assim uma fantástica oportunidade para estar magnanimamente calado, colhendo os frutos mais tarde. Eu explico, e na verdade é tudo muito simples. Aliás, é tudo muitíssimo complicado, mas na era dos buzz e dos soundbites, é forçosamente simplificado.
Sim, quem já trabalhou e participou no Orgulho Gay e nas suas reivindicações tem motivos para se sentir ofendido com esta campanha. Todo o trabalho, suor, privações e provações para o construir são subitamente caricaturados para vender cerveja. Quem perdeu já horas de vida a explicar que o Orgulho Gay não é o "Orgulho em se ser gay", mas o orgulho em ser capaz de dar cara, de vencer os obstáculos, de lutar contra a homofobia, que o Orgulho Gay pode ser o orgulho de qualquer hetero que se junte à luta, fica necessariamente furibundo ao ver surgir uma "causa hetero" promovida pela cerveja, que se resume a um site de engates hetero, igual a milhões de outros sites, embora este claramente mais sujeito a ser dominado por rapazes virgens.
É claro que gritar "sou hetero" numa sociedade onde a heterossexualidade é a hegemonia, é chover no molhado. É que "somos todos hetero" até prova em contrário. A Sagres e a Super Bock nunca usaram a palavra "hetero" na sua publicidade porque não precisaram, porque está lá, sem ser preciso estar. Tal como os reality shows de engate, cenas de um casamento, etc, nunca a usaram. Toda a gente pressupõem que seja para heteros, sendo que muita dessa gente desconhece ainda a palavra.
O "hetero" só passa a fazer sentido a partir do momento em que o "gay" começa a fazer-se notar. Nesse sentido este "Orgulho Hetero" é até um sinal positivo, mostra que há uma brecha na hegemonia. Que o gay já se faz notar ao ponto de haver marcas de cerveja que acham que pôr um bando de rapazes a mandar piropos à empregada do bar já não chega para marcarem a sua heterossexualidade.
É tudo tremendamente vazio de conteúdo, e nada explicitamente homofóbico. Exacto, esta campanha não é explicitamente homofóbica. É sobretudo tonta, e claro, só possível num contexto de muita homofobia ainda enraizada, mas não vincula as mensagens que
aqui se quer crer que passam. É por isso que me oponho frontalmente contra essa simplificação e presunção. Porque dessa simplificação facilmente nasce outra, "se o orgulho hetero é homofóbico, então o orgulho gay é heterofóbico". E a maioria das pessoas nunca gastará mais segundos de reflexão sobre o tema que isto.
É óbvio que não existe uma simetria entre uma coisa e outra, entre ser gay e hetero, entre ser discriminado por se ser gay e uma hipotética discriminação por se ser hetero. É por isso que faz sentido um Orgulho Gay e não um Orgulho Hetero. Mas é, ou não, essa simetria o nosso objectivo final? A plena igualdade, o dia em que o Orgulho Gay seja tão desnecessário e tonto quanto este? Ora se esse é o objectivo, não vale a pena criar guerras com uma campanha assente numa falsa simetria, mas falsa apenas porque ainda não real, embora há muito sonhada.
Aquilo que o movimento gay pode e deve exigir à Tagus, é que esta mostre que o seu Orgulho Hetero é tão aberto e inclusivo quanto o nosso Orgulho Gay. Ou seja, a Tagus devia ser convidada a patrocinar e a comparecer nas próximas marchas do Orgulho LGBTA (A de aliados) com o seu carro do Orgulho Hetero. Só depois de recebida a resposta a esse convite, se poderiam tirar, ou não, outras conclusões. Até lá, é tudo na base da precipitação, i.e., do precipício.
Nunca nos esqueçamos. Só as vítimas não gostam de estar no seu papel, mas nunca foi preciso ser vítima para alguém se sentir vitimizado.
O Pacheco Pereira chora-se pela "tentativa de silenciamento do seu blog" e chorará sempre, por mais vezes que seja linkado e citado nos jornais. Não ofereçamos à Tagus numa bandeja de prata o papel de "vítima da heterofobia", please. Há coisas tão mais importantes com que nos ocuparmos. Façamos o humor e não a guerra. É uma campanha para heteros, não é? Pois que sejam os heteros a preocupar-se com ela... e a aguentarem goela abaixo o inenarrável sabor de uma Tagus.
PS: Já a Super Bock e a Sagres supostamente são para todos mas só mostram "gajas boas" nas suas publicidades, isso sim é invisibilidade e indiferença.