segunda-feira, abril 09, 2007

No cortar é que está o ganho?

«A análise final aos resultados obtidos nos ensaios controlados realizados no Uganda e no Quénia permite afirmar que a circuncisão masculina funciona como uma melhor protecção à infecção por VIH do que o inicialmente esperado. Os dois ensaios foram interrompidos há dois meses após se ter verificado que o procedimento reduzia para metade o risco de infecção pelo VIH e as autoridades terem considerado que seria eticamente incorrecto não o oferecer aos homens no grupo controlo. De acordo com estudos publicados hoje, a redução do risco chega a atingir os 65 por cento.»
Já há algumas semanas que venho lendo várias notícias sobre isto, e continuo espantado com o tom sempre optimista com que são apresentadas. E creio que ainda não li nenhuma crítica a isso mesmo. Mas era prudente que houvesse. Não estou a pôr em causa que numa penetração sem preservativo (anal ou vaginal) um pénis sem prepúcio (e devidamente cicatrizado) esteja mais seguro do que um pénis por circuncidar. Mas o risco de quem penetra, numa relação desprotegida, é sempre muito menor do que o de quem é penetrado/a - esteja circuncidado ou não.

O que me preocupa nestas notícias é a mensagem exageradamente optimista que pode levar a raciocínios simplistas do tipo "se é circuncidado não é preciso preservativo". Além disso têm sido propostas "circuncisões em massa" como forma de prevenir a propagação do vírus em África. Mas haverá neste continente condições médicas para o fazer em segurança? Lembro que em adultos esta intervenção cirúrgica, apesar de ser muito simples, deve ser feita com anestesia geral. E deverá isso ser prioritário num continente onde tantas vezes falta a mais básica assistência médica? E de novo, não será neste continente, com enormes taxas de analfabetismo, ainda mais iminente o perigo de se popularizarem raciocínios simplistas como o que referi? É que se quem penetra estiver infectado, em não se usando preservativo o risco para quem é penetrado é altíssimo e independente de qualquer circuncisão...

4 comentários:

jpt disse...

Acho esta notícia um disparate. Só podia provir de americanos, que são obcecados por cortar prepúcios. Na américa, se os pais não disserem nada, a criança é circuncisada por norma. Já para não falar em religiões como o judeísmo e islamismo, onde a circuncisão é obrigatória.
Eu acho isto um atentado aos direitos do individuo. Não o vou comparar à circuncisão feminina, porque, obviamente, as consequências não são do mesmo nível. Mas lembro que o prepúcio é razoavelmente sensivel, e portanto uma fonte de prazer, e que um dos móbeis para a circuncisão (religiosa) é evitar a masturbação. A circuncisão só reduz doenças (cancro, etc) em pessoas com deficiente higiene. Podia ser uma medida lógica no sec VIII, quando o corão foi escrito, mas hoje não faz sentido.

Prosciutto Mourente disse...

Certo, nisto na saúde, especialmente no que se refere à saúde sexual, hai muito raciocínio simplista. A redacçom dessa notícia também parece irresponsável :(

Pedro Fontela disse...

Completamente de acordo com o post e com o JPT.

rack disse...

http://veertice.blogspot.com/2007/03/circunciso-masculina.html

Primeiro ponto: considero qualquer tipo de circuncisão humilhante.
Segundo ponto: Todos nós temos direito ao corpo tal como nascemos e a dispor dele segundo as nossas crenças, atitudes e desejos, o que implica que os pais ou educadores deixem os filhos chegar com o corpo intacto, tal como nasceram, até à idade de poder decidir, a idade adulta.
Terceiro: ao contrário do que diz o público, a afirmação da OMS sobre a circuncisão masculina e redução de riscos de transmissão de HIV não é absoluta, pois também refere o seguinte: "However, we must be clear: Male circumcision does not provide complete protection against HIV. Men and women who consider male circumcision as an HIV preventive method must continue to use other forms of protection such as male and female condoms, delaying sexual debut and reducing the number of sexual partners."
Ou seja, esqueçam lá isso da circuncisão...não se fiem na virgem e usem preservativo. Já alguém pensou nos riscos de espalhar a ideia de que a circunsição protege, tout court ? E alguém pensou na higiene vigente nos países de 3º mundo, no qual se iria promover a circuncisão masculina, correndo-se o risco de praticar um acto cirúrgico sem assepsia ?
E alguém pergunta porque é que os países onde há menos transmissão de HIV são onde, justamente, se praticam menos circuncisões, i.e., os países nórdicos e canadá ?