Depois do "arrastão" as "voitures en flammes"
«Ao princípio da madrugada de hoje, alguns carros foram incendiados e tiros disparados na sequência de desacatos uma centena de indivíduos na Quinta da Fonte, em Sacavém. A PSP cercava o bairro e, à hora do encerramento desta edição (00.45 horas), desconhecia-se o número de viaturas incendiadas, as causas dos incidentes ou a existência de feridos.»Esta notinha é da última página do JN de hoje, já na RTP o Jornal da Tarde abriu fazendo referência a apenas um carro incendiado, mas sem qualquer imagem que o comprovasse, e 100 jovens delinquentes, igualmente invisíveis. O inevitável directo do local começou com a jornalista a descrever o bairro como "de risco", "multi-étnico" e "multi-cultural", "como aliás se vê pelas crianças aqui atrás de mim", realçou. Tudo explicado não é verdade? De tão violenta noite restavam então apenas um carro com o vidro estalado e o sorriso dos miúdos desejosos de aparecer na TV.
PS: Uma nota pessoal. No ano passado tive o azar de ter o meu carro vandalizado, pior, não era o meu carro, mas emprestado. Azar ainda maior, não foi num "bairro multi-étnico", pelo que não houve quem me valesse. A frustração de se ser vítima de um acto tão gratuito é imensa, sobretudo sabendo que pouco ou nada há a fazer.
Mas sabendo depois que já outros veículos tinham sofrido o mesmo tratamento na zona, e que os principais suspeitos seriam os alunos de um colégio ali à beira, decidi fazer o pouco que podia, apresentar queixa na GNR local. Depois de explicar ao que ia, uma agente de nariz torcido apontou-me a cadeira onde devia esperar. A espera, para apresentar a queixa, durou cerca de 30 minutos, tempo que serviu para alimentar o estereótipo/preconceito de que todos os GNRs são preguiçosos e de Tráj-oj-Montej, tal a quantidade de agentes que se passeou e tagarelou no corredor enquanto esperava. Não fosse o bom rabo de um deles e o meu fetiche por fardas e teria desistido da queixa.
Finalmente chegada a vez de ser atendido, um agente bonacheirão cumprimentou-me encolhendo os braços, "riscaram-lhe o carro, foi? Xabe, num xe pode fajer nada...". Expliquei que sabia, queria ao menos que ficasse registada a queixa, "para as estatísticas", comentário que me valeu um sorriso amarelo. Mais uns quantos comentários dissuasores do agente, "é triste, mas num xe descobre", lentidão máxima no teclar dos dados, mas eis que se iluminam os olhos do sr. agente, o carro não era meu! "Tem que xer o dono a fajer a queixa, e pode xer na esquadra da área de rejidênxia, num tem que xer nesta", foi-me dito com a cara de quem acabou de descobrir a cura para o vírus da sida.
Nessa altura já só pensava em sair daquele antro de imbecis e não fiz finca-pé, mais tarde comprovei que, tal como desconfiava, aquilo era desculpa de agente preguiçoso e incompetente, e naturalmente eu podia ter feito a queixa. Mas falta de tempo, pachorra, etc... adiaram-na para as calendas gregas, pelo que não será por mim que aquele bairro branquinho classe média-alta passará a ser "de risco". Ironicamente assim se vê uma vez mais que a preguiça e o comodismo são as maiores forças da reacção.
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